O cheiro da noite Clareou a sombra dos olhos E instaurou-se Uma suposta paz Que ainda nos acolhe a fúria Hipoteticamente Presos Num falso espaço Onde não resta mais Que palavras Eu perdi os óculos E finalmente Vi a realidade
Sempre penso Que meus pais esperavam qualquer coisa Menos Gerar um poeta Espinho Que sangra ao tocar em flores Dei muito trabalho a eles Acordados durante a noite Tentando me acalmar "Calma filho Não tem nenhum poema debaixo da sua cama" Mas tinha E tem Debaixo da cama dentro do armário dentro das gavetas dos bolsos no quintal de noite derrubando as panelas abrindo a torneira da pia do banheiro jogando pedrinhas na minha janela me chamando pra sair puxando o meu pé Um dia eu sai E nunca mais voltei Nunca saberei se foi um sonho. Ou se ainda é.
Eu sou tudo E todos Em plenitude E me sou Aos poucos A minha própria incompletude A vertigem ilude Me faz pensar Por um segundo Que sou apenas um Mas desta altitude Eu consigo me visualizar Em zoom Eu sou todos E tudo E nas horas vagas Sou os outros
Quando era mais novo Tentava entender a lua crescente A minha mente Imaginava um sorriso luminoso no céu O ser gigante, dono do sorriso mais brilhante Estaria atrás Coberto pelo véu da noite Foi então que me disseram Essa é a unha de Deus Imaginei que um dia Deus iria nos coçar Como pulgas Iríamos para debaixo Da reluzente plataforma sobrenatural E enfim seriamos levados todos Para o alto astral Estaríamos finalmente Carne e unha Com Deus
Não vejo a hora Para mim É sempre agora Quero desalinhar-me com o sol E alongar as esquinas Que a saudade aumente E engula-me Mas que eu desça rasgando Como se tivesse uns Quarenta por cento de álcool Não ser fácil de digerir E dirigir meu próprio filme Um drama cheio de monólogos semi-existenciais Uma fotografia de prender as pálpebras E tudo mais Não vejo o dia Não olho no calendário A agonia do meu diário é ser papel-compromisso Registro matemático Uma data Que passa E só Não vejo a hora De te encontrar No meio do nada Pra fazer nada E falar sobre nada Felicidade não tem hora marcada
Momentos Em que Tudo em você Sou eu Seu olhar sibilante Sua voz enganchada no telefone Seus cabelos Quando são meus Sua pele Quando é camada de perfume Cobertor E te reveste Roupa improvisada De sonhos Suas unhas Quando querem ser unas Em minha pele Quando seus pelos Se desmancham em brumas Fazem ondas sonoras Ao pé do ouvido E quebram O silêncio É tudo Ou nada
A próxima porta Será levada Como uma folha E se fechará em nós As janelas Vão chorar Ao serem cortinadas E te perderem de vista A sala escura O violão sobre a cama Com os arranhões que você deixou O caminho para sua casa Demarcado no asfalto Entre as marcas Do pneu da minha bicicleta Os rangidos do mundo A Avenida São Paulo O pet shop A sua rua Espadas do tempo Perfurando a minha saudade adiantada
Nosso beijo permaneceu Para além das estradas do tempo, amor
Você, eu, o calor O momento viveu Para além dos limites da pele, amor Além das paredes, das telas, dos vidros Dos carros, da sede, da festa, dos gritos Para além da voz E da mudez A nossa vez, amor Se encravou E fez canteiros Que se estenderam Para além dos caminhos das horas Além das luzes do mar Passos que a praia ainda não sabe contar Para além dos muros da distância
(Como ondas que se encontram no fim do dia Como o sol que encerra a lua)
A primeira boca A encontrar a minha Tem de ser a sua E foi
Não me conheço. Não sei onde quero chegar com esses meus espetáculos. Por isso, não peço palmas, não quero nada. Não mereço nada. Por isso, tudo o que ganho são méritos inesquecíveis para mim. Guardo cada um, separadamente, em categorias que eu mesmo crio. Escrevo porque algo em mim não me deixa aquietar. Quem me conhece, sabe que sou calmo, mas meu coração nunca me deixou em paz.
Almi Jr.